Arnaldo Jardim
Há dez anos, o Brasil promoveu a abertura para a atuação dos capitais privados na exploração e produção (E&P), refino, transporte (dutoviário e marítimo) e o comércio exterior deste insumo e seus derivados e do gás natural, com a aprovação da Lei do Petróleo (Lei 9478/97).
Desde então, o panorama geral da indústria nas atividades de exploração e produção mudou significativamente. Entre 1997 e 2007, a produção de petróleo passou de 866 mil barris/dia para 1,8 milhões barris/dia, enquanto a de gás passou de 27 milhões m3/dia para 49 milhões m3/dia. O incremento das alíquotas proporcionado pela Lei 9478/97, levou a disparada da arrecadação de royalties sobre produção de petróleo e gás natural que chegou a R$ 7,7 bilhões, em 2006, contra apenas R$ 0,2 bilhões em 1997. Em maio de 2007, além da União, 10 estados e 800 municípios receberam royalties. Com a Lei 9478/97, iniciou-se, também, o pagamento de participação especial, incidente sobre campos produtores de elevada produtividade, que em 2006 somou R$ 8,8 bilhões. Em 2006, o país atingiu a auto-suficiência enquanto em 1997 as importações respondiam por 47% do consumo aparente de petróleo e seus derivados.
O modelo de abertura foi bem sucedido ao atrair um número significativo de novos agentes para o setor. Desde 1999, foram realizadas 7 rodadas de licitações de blocos exploratórios que arrecadaram R$ 3,3 bilhões em bônus de assinatura. No total, foram concedidos 582 blocos exploratórios e existem atualmente 30 novas empresas operadoras de blocos, além da própria Petrobras.
Além das atividades de E&P, a reforma institucional trazida pela Lei 9478/97 resultou repercussões menos pronunciadas. Desde sua promulgação, não ocorreram mudanças significativas na estrutura do refino. Apesar da entrada das Centrais Petroquímicas (Braskem, PQU e Copesul) na produção de gasolina e GLP e óleo diesel, a Petrobras é responsável por 96% da produção total de derivados de petróleo. Essa concentração passa para 97% com a incorporação da Refinaria da Ipiranga aos ativos da Petrobras que ocorreu em março de 2007. O mesmo aconteceu com os principais terminais terrestres e aquaviários, onde as plantas da Transpetro e da Petrobras são responsáveis por 89% da capacidade de total de armazenamento de petróleo, seus derivados e álcool.
Num país tradicionalmente importador de derivados, creditava-se, em 1997, às importações um papel disciplinador da conduta das empresas no mercado interno e a liberalização das importações, por parte de outros agentes além da Petrobras, uma contribuição fundamental da Lei 9478. Para a maior parte dos derivados, com a exceção da nafta petroquímica, as importações realizadas por agentes privados têm, entretanto, consistido de operações pontuais com implicações desprezíveis sobre a dinâmica competitiva do setor. Não obstante a liberdade de preços, promulgada desde janeiro de 2002, o governo continua intervindo nos reajustes dos preços dos principais derivados (diesel, gasolina e GLP) nas refinarias da Petrobras. Os preços praticados pela Petrobras no Brasil e os estabelecidos no mercado internacional apresentaram, em diversos momentos, diferenças consideráveis. Isso tem dificultado a entrada um novo agente no refino. Um outro limitante das importações são as incertezas quanto à conduta da Petrobras em relação ao acesso de terceiros aos terminais e dutos da empresa e de suas subsidiárias. Apesar da existência de regulamentação que permite o acesso de terceiros, a Transpetro, criada pelo art. 65 da Lei 9.478/97, está longe de atuar de forma independente dos interesses da Petrobras na comercialização. No caso do gás natural, a ausência de um tratamento específico dentro da Lei 9.478/97 conduziu a paralisia do processo de abertura setorial. Não houve avanços na regulamentação do acesso de terceiros aos gasodutos, cujas solicitações impreterivelmente levaram a conflitos. A ausência de regras eficazes para o acesso de terceiros constitui hoje barreira crucial para a entrada de novos agentes na atividade de E&P de gás.
Por meio de uma série de aquisições desde 2004, a estatal estendeu sua participação, na petroquímica, distribuição de combustíveis (inclusive de GLP) e na geração de energia elétrica de fonte térmica. O fortalecimento da Petrobras acontece em paralelo a um enfraquecimento da ANP e a ausência de processo de aperfeiçoamento da ambiente institucional, que promovesse a competição e separasse as atribuições do governo e àquelas da estatal. As dificuldades de separação da figura do estado-empresário com as suas atribuições de planejamento, formulação e de execução de políticas são notórias e demonstram mudanças de visão e prioridades do governo federal. Permeado pela ameaça de tratamento governamental diferenciado a favor da estatal, este ambiente institucional pouco transparente favorece os investimentos em parceria com a Petrobras, ao invés de promover a competição da estatal com os capitais privados.
Se o legado positivo da Lei no 9478 nesses 10 anos foram as licitações de blocos e a entrada de um grande número de empresas privadas no E&P, o seu legado negativo foi a falta de prosseguimento nas reformas institucionais, o que impediu uma maior presença de capitais privados nos demais da indústria. Ao concentrar a expansão dos investimentos setoriais na Petrobras e seus parceiros, a perpetuação deste ambiente institucional restringiu as possibilidades de crescimento da indústria e inibiu a concorrência e, conseqüentemente, os ganhos para os consumidores.
Assim concluo: A Petrobras não se enfraqueceu, ao contrário. O setor cresceu bem acima do crescimento nacional. O segmento ampliou o número de participantes, sem que o Poder Público abdicasse o seu papel indutor e coordenador. Ou seja, foi correta a adotada, eficaz a Lei aprovada e é necessário aprofundar neste caminho, nesta direção.
Deputado Arnaldo Jardim – Engenheiro civil (Poli USP), vice-líder do PPS e membro das comissões de Minas e Energia e da Especial da “Lei do Gás” na Câmara dos Deputados.
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