Arnaldo Jardim
Recente relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) alerta: mais de um bilhão de pessoas no mundo não têm acesso à água potável; 2,5 bilhões de pessoas não dispõem de qualquer tipo de saneamento; cerca de 8 milhões de pessoas morrem por doenças relacionadas à má qualidade da água, 50% delas são crianças. Um paradoxo intrigante, se pensarmos que a Terra tem 70% de sua superfície coberta por água, mesmo que 97,5% sejam oriundos de mares e oceanos.
Infelizmente, este preâmbulo não assegura a preservação das fontes de água no Brasil. Afinal, é difícil defender esta bandeira quando somos detentores da maior bacia hidrográfica do mundo; quando o custo deste recurso é ridiculamente baixo; quando vamos á praia não dispensamos uma chuveirada gratuita; quando gastamos doze litros de água tratada a cada uso do vaso sanitário; quando lavamos nossos carros e calçadas com jatos d´água; quando jogamos em rios e córregos 80% dos nossos esgotos sem qualquer tipo de tratamento. Com certeza, o sertanejo do semi-árido nordestino sabe mensurar o real valor da água, como uma condição básica de sobrevivência.
Diante de um panorama global de escassez, a idéia não é nova, mas pode contribuir para um uso mais racional de um recurso natural tão ameaçado: tratar a água como uma commodity ambiental.
Espelho-me no exemplo do mercado de créditos de carbono, que estabeleceu mecanismos financeiros de compensação para Governos e empresas que desenvolvessem processos de produção mais limpos e eficientes, que mitigassem suas emissões de gases estufa.
O mesmo poderia acontecer com a água, frente à expectativa da ONU de que, dentro de 25 anos, serão 4 bilhões de pessoas sem acesso a água potável, uma realidade que já deflagra confrontos armados na África e na Ásia.
Como engenheiro, cito o exemplo da construção de um shopping em Alphaville, previsto para entrar em funcionamento em 2009. O empreendimento adotou a reutilização da água da chuva, a adoção de materiais reciclados e o uso mais eficiente da luz natural. Não seria o caso de estimular por meio de renúncias fiscais projetos semelhantes? Quem sabe, descontos progressivos na conta de água e luz? Ou mesmo, estabelecer linhas específicas de financiamento na área de inovação tecnológica?
A recém lançada Bolsa de Valores Sociais (BVS), em que empresas e pessoas físicas podem financiar projetos educacionais e seu acompanhamento, é uma iniciativa da Bovespa que simboliza os primeiros passos, mas seus resultados serão limitados na ausência de políticas públicas que poderiam servir de instrumentos multiplicadores de ações efetivas de combate ao desperdício.
O problema da água não se resume ao saneamento, apesar de saudar a recente regulamentação do setor e a previsão de R$ 10 bilhões em investimentos nos próximos anos. Também precisamos pensar na irrigação, produção de energia, navegação, lazer e a diluição de esgotos domésticos e industriais.
A Constituição de 1988 estabeleceu o Sistema Integrado de Gerenciamento dos Recursos Hídricos que ainda não saiu do papel. Diante das extensões continentais e diferentes realidades encontradas no País, este instrumento de gestão pode ser auto-suficiente financeiramente, com a instituição da cobrança pelo uso da água. Destaco que não se trata de mais um simples aumento de tarifa, mas um mecanismo imprescindível para combater o uso degradador, indiscriminado e irracional deste recurso finito. Experiências em países como Holanda, Alemanha e França são referências de como taxar o usuário-poluidor-pagador.
Além disso, é fundamental tratarmos à questão do gerenciamento dos nossos recursos hídricos sob o aspecto regional, ou seja, estimular a integração entre governos federal, estaduais e municipais.
Em São Paulo, dispomos do Comitê de Bacias Hidrográficas, da cobrança pelo uso da água, de projetos que visam combater a ocupações ilegais na Billings e Guarapiranga. São iniciativas que precisam sair do papel e podem servir de referência nacional de como melhor gerir nossos recursos hídricos.
Deputado Arnaldo Jardim – engenheiro civil (Poli/USP), titular da Comissão de Minas e Energia, membro da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e integrante da Frente Parlamentar Ambientalista
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