Deputado Arnaldo Jardim

Álcool sem sustos - 2006

Arnaldo Jardim

A história mais uma vez se repete, mas a última entressafra da cana trouxe lições que não podem ser esquecidas. O aumento da demanda interna em virtude do sucesso de vendas dos veículos dotados da tecnologia flexível – hoje são mais de 1,2 milhão rodando pelo País –, pegou de calças curtas, tanto o Governo Federal quanto o setor produtivo.

Para aplacar as tensões do mercado, o governo se viu obrigado a reduzir a mistura de álcool na gasolina, de 25% para 20%, enquanto o setor privado teve de promover uma antecipação da safra e o consumidor final não teve alternativa senão migrar do álcool para a gasolina. Em suma, todos perderam. O governo, com o desgaste de um acordo não cumprido com o setor produtivo para a manutenção de preços; o setor, que teve sua credibilidade abalada além de observar a redução de 30% nas vendas de álcool no período; e o consumidor brasileiro, obrigado a arcar com o prejuízo da mudança de combustível, além de ser obrigado a inalar mais poluentes na atmosfera.

A nova safra trouxe a estabilidade necessária, com a redução de 32,2% no preço do álcool hidratado vendido pelas usinas (sem impostos), que chegou ao pico de R$ 1,24/litro, na semana de 10 de março deste ano, com os atuais R$ 0,84/litro, registrado na última semana de 26 de maio. Mas muitas dúvidas pairam sobre este setor estratégico. O momento agora é de reflexão, para que não se repitam os erros e evite-se o ímpeto intervencionista federal no mercado, e de planejar do futuro, diante das excelentes perspectivas internas e externas, tanto para o álcool como para o açúcar. 

Como compatibilizar o crescente interesse internacional pelo álcool com o aumento da demanda interna? Quais os mecanismos que devem ser adotados para evitar grandes oscilações de preços ao longo da safra? Em virtude das recentes vitórias na OMC (Organização Mundial do Comércio), em relação às exportações européias de açúcar, qual será o mix de produção ideal para atender ambos os mercados em expansão? E, mais recente, com a crise do gás, a possibilidade de alimentar as termelétricas poderia comprometer o planejamento da safra?

Basicamente, as respostas para todas essas indagações estão no investimento, na ampliação, na priorização e no planejamento.  

Já são 195 usinas da região Centro-Sul em operação. Responsável por 60% da produção nacional, São Paulo já conta com 121 unidades produtoras de açúcar e álcool, ou seja, 82% das usinas estão em pleno funcionamento. Segundo a Unica, serão moídas 375 milhões de toneladas de cana, volume 11,32% acima dos 335,8 milhões de toneladas da safra 05/06. Com isso, o setor deve produzir 25,5 milhões de toneladas de açúcar, um crescimento de 15,84% em relação aos 22,01 milhões de toneladas da safra anterior e 15,6 bilhões de litros de álcool (anidro e hidratado), o que significa um aumento de 8,86%, contra os 14,3 bilhões da safra passada. 

A prioridade deve ser o abastecimento do mercado interno de álcool, cuja curva se encontra ascendente em virtude do sucesso dos “veículos flexíveis”. Mas, é imperioso que se tenha um tratamento tributário diferenciado, no sentido de garantir a competitividade entre álcool e gasolina; reforçar os mecanismos de combate à adulteração e à sonegação do produto; além da manutenção da política tributária em relação aos veículos flexíveis.

Outro ponto reside no estabelecimento de contratos de compra e venda do combustível na Bolsa de Mercadorias, conhecidos no mercado internacional como “hedge”, escorados por um seguro rural. Com isso, conferimos uma maior rentabilidade e um equilíbrio financeiro para o produtor planejar a comercialização da safra, além de assegurar aos investidores um mecanismo de compensação capaz de trazer uma sólida garantia daquilo que se negocia, a médio e longo prazos. Ao invés de investirmos em estoques estratégicos, poderíamos investir na implantação e ampliação destes mecanismos de livre mercado, que caminhariam junto à expansão do setor, sem a necessidade de viver sob a tutela dos já comprometidos cofres públicos.

Em meio ao risco de novos apagões, o governo precisa promover uma maior participação da biomassa da cana na nossa matriz energética. Seriam investimentos infinitamente menores que os em hidroeletricidade ou termelétricas, pois com o crescimento natural da atividade sucroalcooleira, bastaria investir na infra-estrutura para exportar o excedente de energia da biomassa utilizada na produção de açúcar e álcool. Diante do fato, a energia de biomassa seria usada em complementaridade à hidroeletricidade.  

Existem mais 80 projetos anunciados para a construção de usinas no Centro-Sul, principalmente, no Oeste Paulista, sendo que mais de 20 já entrarão em operação nesta safra. Antes que os alguns comessem a “cornetar” sobre o risco de uma monocultura, vale lembrar que 67% desta área é composta por pastagens degradadas da pecuária extensiva.

Segundo pesquisa da UDOP – União das Usinas e Destilarias do Oeste Paulista, cada três cabeças de gado utilizam um alqueire de pastagens. Caso haja uma melhoria de 30% no pastoreio, esta otimização poderia gerar dois milhões de hectares para agricultura. Mesmo que a totalidade desta área fosse destinada para a produção de cana, a região disporia de 33% da sua área para esta cultura. Além disso, o apelo social e econômico com a criação de cerca de 100 mil novos postos de trabalho e o apelo ambiental diante da captação de carbono na atmosfera seriam inquestionáveis.

O Brasil é referência mundial na produção de açúcar e álcool, uma liderança construída ao longo dos últimos trinta anos. Mesmo assim, o processo de adoção de novas tecnologias, aperfeiçoamento técnico, a busca de uma maior produtividade e a adoção de critérios de responsabilidade social devem ser uma preocupação permanente.

Diante disso, não posso deixar de saudar o convênio entre a Unica e o Instituto Ethos, para implantar os Indicadores de Responsabilidade Social Empresarial. Com isso, as usinas terão subsídios para elaborar um balanço social e também ajustar-se a outros indicadores de sustentabilidade que são levados em consideração pelo mercado internacional e pelos investidores, tais como: Pacto Global, relatório de sustentabilidade do Global Reporting Iniciative (GRI), normas SA8000 e AA1000, entre outras ferramentas de gestão.

Em meio à realidade inconteste dos preços do barril de petróleo acima dos US$ 60, a necessidade mundial por uma alternativa ecologicamente correta aos combustíveis fósseis, aliada a expectativa da totalidade dos veículos novos serem dotados de motores flexíveis até o final deste ano e o eminente aumento da participação da biomassa da cana na matriz energética, o setor tem muitos desafios e responsabilidades. Cabe a nós estabelecermos os alicerces para garantir um crescimento duradouro e sustentável desta atividade.

 

Deputado Arnaldo Jardim

Coordenador da Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável

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