Arnaldo Jardim
Mesmo dedicado por muitos anos às atividades ambientais e energéticas fiquei admirado, na semana passada, ao conhecer com mais detalhes o relatório internacional Bioenergy & Sustainability: bridging the gaps sobre o estado atual e o promissor futuro da bioenergia no planeta. O trabalho é uma iniciativa da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo com o Comitê Científico para Problemas do Ambiente (Scope, na sigla em inglês), agência intergovernamental associada à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Estamos diante de um precioso volume de informações produzidos por 137 especialistas de 24 países e 82 instituições que se debruçaram por dois anos sobre as diversas questões relacionadas com produção e uso de bioenergia e sustentabilidade. Uma ponte segura para o futuro. Coordenado por cientistas ligados aos programas FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA) e Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), com base em mais de 2.000 referências e estudos, o relatório apresenta análise abrangente de tecnologias e práticas atuais da bioenergia, incluindo produção, sistemas e mercados, e o potencial de expansão sustentável e de maior adoção da bioenergia, em paralelo com uma revisão crítica dos seus impactos.
O Brasil tem uma base de energias renováveis capaz de suprir 41% das suas necessidades energéticas, o programa mundialmente exemplar de produção do etanol combustível a partir da cana-de-açúcar e uma comunidade científica engajada em projetos bem sucedidos de agricultura, energia, produção de alimentos e biomassa. Foi isso que certamente nucleou um conjunto de especialistas de diversas áreas da ciência e regiões do mundo para o esforço sem precedentes de concentrar em uma única publicação todo o conhecimento disponível em bioenergia.
A bioenergia pode chegar a prover um quarto da energia mundial até 2050, reduzindo poluentes e a emissão de gases do efeito estufa e promovendo desenvolvimento sustentável, entre outros benefícios econômicos e sociais. O relatório indica os caminhos e desafia os líderes mundiais a empreenderem movimentos para adotar a bioenergia como filha pródiga da humanidade. Especialmente por aqui. A disponibilidade de terras para produção de bioenergia está concentrada na América Latina e na África Subsaariana, em áreas que estão sendo utilizadas predominantemente, com baixa intensidade, como pasto.
Cerca de 360 milhões de hectares de terras aptas para a agricultura de sequeiro estão disponíveis na América Latina e Caribe, ou 37% do total mundial e mais de três vezes a área necessária para atender às necessidades alimentares do mundo. Se operados adequadamente, com processos eficientes, 20% dessa área poderiam produzir 24 exajoules (EJ) de biocombustíveis líquidos por ano, o equivalente a 11 milhões de barris de petróleo por dia, mais do que a produção petrolífera atual dos Estados Unidos ou da Arábia Saudita.
O relatório deverá subsidiar políticas estratégicas de São Paulo para o setor. Ele representa o estado da arte da bioenergia, uma fronteira pioneira de conhecimento muito cara ao estado. O governador Geraldo Alckmin tem tratado o assunto de maneira prioritária para o futuro da agricultura, adotou medidas de estimulo a cogeração, retirou ICMS para equipamentos destinados ao retrofith, mantem o menor imposto sobre o etanol do país e simplificou a tributação para facilitar a ampliação da energia produzida a partir do bagaço da cana e determinou que a Secretaria da Energia mais nós da Agricultura e Abastecimento intensificássemos a geração da bioenergia no Estado de São Paulo.
O conhecimento compilado, as conclusões e recomendações de Bioenergy & Sustainability devem ser incorporados às políticas públicas e utilizados para orientar iniciativas públicas e privadas, colocando-se como referências para a construção de novos desenhos de cidadania ambiental.
As práticas bioenergéticas podem melhorar os sistemas de produção de alimentos e o desenvolvimento econômico rural, estimulando investimentos na produção agrícola em áreas pobres e fornecendo um sistema dinâmico alternado para produzir energia ou alimento sempre que necessário.
Além do mais, considero um dever ético investir em práticas produtivas de bioenergia e alimentos combinadas especialmente em áreas pobres e em desenvolvimento do planeta. O relatório é intenso, alentado e detalhado. Não é certamente para se ler suas 700 páginas de um só fôlego. Mas vale a pena conhecê-lo e guardá-lo como referência. A íntegra de Bioenergy & Sustainability: bridging the gaps está disponível para download e leitura em bioenfapesp.org/scopebioenergy.
Arnaldo Jardim é engenheiro civil
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