Arnaldo Jardim
Nesta semana ocorre pela primeira vez no Brasil o Congresso Mundial de Resíduos Sólidos promovido pela Internacional Solid Waste Association (ISWA). Mais de mil participantes de 68 países reúnem-se para debater a gestão sustentável das sobras das sociedades. A ISWA é uma associação global, sem fins lucrativos, que atua para promover e desenvolver uma gestão sustentável e profissional do setor no mundo. No Brasil é representada pela Abrelpe – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais.
Estive lá participando da abertura dos trabalhos quando fui mencionado com destaque pelo presidente da Abrelpe Carlos Silva, pelo secretario estadual do meio ambiente paulista Rubens Rizek e pelo secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente Ney Maranhão, representante da ministra do meio ambiente Izabella Teixeira. Todos registraram a função estratégica da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e seu impacto econômico, social e cultural.
Tive a honra e o privilégio de presidir o grupo de trabalho que elaborou a Lei 12.305 que instituiu a PNRS, depois de quase duas décadas de discussões no Congresso Nacional. Promulgada em agosto de 2010, a lei é moderna e vai de encontro a um problema antigo de afastamento e destinação do lixo, com origem no Brasil Colônia e séculos de falta de atenção, gradativamente agravado pelo processo de industrialização e desenvolvimento que desconsiderou a sustentabilidade, e pela concentração de 84% dos habitantes nas cidades.
Como titulares dos serviços de limpeza pública, os municípios brasileiros devem priorizar a gestão e o manejo dos resíduos, começando pela elaboração de seus planos de gestão, instrumentos destacados para enfrentar os problemas do presente e se antecipar às demandas do futuro. Conforme a lei, o segundo prazo para banir os lixões – áreas sem controle ambiental algum e a céu aberto – esgotou-se em dois de agosto passado. A data constava das metas para os planos estaduais ou municipais de resíduos sólidos. A lei não cita expressamente o encerramento de lixões, mas a obrigatoriedade é consequência da disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.
Ressalto que a disposição de resíduos sólidos em lixões é crime desde 1998, quando foi sancionada a lei de crimes ambientais (Lei nº 9.605/98). E conforme o seu regulamento quem causar poluição que possa resultar em danos à saúde humana ou ao meio ambiente, incluindo a disposição inadequada de resíduos sólidos, pode receber multa de R$ 5 mil a R$ 50 milhões. Mas não será com punições que resolveremos nossos problemas. Por isso é que o apoio e o incentivo governamental aos municípios que não conseguiram elaborar o plano de resíduos e implantar os chamados aterros sanitários são fundamentais para a mudança de paradigma da gestão no setor de tratamento de rejeitos.
Em maio deste ano, a Frente Parlamentar Ambientalista apresentou como sugestão aos municípios que não conseguissem cumprir o prazo previsto na legislação o fechamento um acordo com o Ministério Público para assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). O mecanismo foi considerado necessário para que não se caracterize uma situação de ilegalidade quanto à Lei da PNRS.
Como coordenador do Grupo de Trabalho de Resíduos da Frente defendi também a adoção de políticas públicas claras e bem definidas para que os municípios recebessem apoio federal e estadual na implantação da coleta seletiva de lixo e a destinação de emendas parlamentares ao Orçamento da União para esse propósito. É que sem recursos públicos as prefeituras não terão como cumprir a lei, pois a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima que o fim dos lixões deva custar cerca de R$ 70 bilhões.
Sem a estruturação de uma política de desoneração tributária para a coleta seletiva e catadores de recicláveis, a PNRS não cumprirá seus objetivos. É preciso incentivar um círculo virtuoso entre as empresas que recuperam resíduos sólidos para a reciclagem com a redução de impostos, como de IPI, PIS/Pasep e Cofins, por exemplo, e fortalecer o papel das cooperativas de catadores de materiais recicláveis. O setor público precisa se comprometer mais com projetos de fomento de reciclagem já que às empresas brasileiras não faltam tecnologia e mão de obra especializadas para esses processos.
Sem essas medidas os avanços consolidados com a coleta seletiva correm o risco de retroagir. Em 2010, de 15 a 20% dos municípios tinham algum tipo de plano de coleta. Hoje, são 50%. O Brasil desperdiça R$ 8 bilhões por ano ao não manejar adequadamente seus resíduos sólidos urbanos. Toneladas de embalagens e outros materiais remetidos ao “lixo” têm valor econômico destacado e podem ser a base do surgimento de novos e prósperos negócios.
Outro ponto crucial é acelerar os acordos setoriais para a implantação da logística reversa, a responsabilidade a ser compartilhada entre o poder público, as empresas e os cidadãos pelo ciclo de vida dos produtos introduzida pela PNRS, que implica em importantes repercussões sociais na área de saúde pública e na economia.
É indispensável, ainda, a promulgação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos que foi colocado em consulta pública pelo Ministério de Meio Ambiente, em 2011, mas que ainda precisa receber o sinal verde do Conselho Nacional de Política Agrícola. O Plano mantém estreita relação com os Planos Nacionais de Mudanças do Clima (PNMC), de Recursos Hídricos (PNRH), de Saneamento Básico (Plansab) e de Produção e Consumo Sustentável (PPCS). Ele apresenta conceitos e propostas que refletem a interface entre diversos setores da economia pela compatibilização de crescimento econômico, preservação e conservação ambientais com desenvolvimento sustentável.
Poucos imaginavam que nos quatro anos da promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos ocorreria uma revolução tão profunda no paradigma da gestão do lixo urbano. Essa mudança cultural no tratamento dispensado aos resíduos sólidos tem de ser consolidada com implementação e implantação definitivas da PNRS. Esse precisa ser o compromisso dos agentes públicos e de toda sociedade brasileira.
Arnaldo Jardim. Deputado federal PPS/SP; membro da Comissão Mista de Mudanças Climáticas do Congresso Nacional e da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara. Coordenador do Grupo de Trabalho sobre Resíduos Sólidos da Frente Parlamentar Ambientalista.
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