Arnaldo Jardim
No ano passado ocorreu pela primeira vez no Brasil o Congresso Mundial de Resíduos Sólidos promovido pela Internacional Solid Waste Association (ISWA). Mais de mil participantes de 68 países reuniram-se para debater a gestão sustentável das sobras das sociedades. A ISWA é uma associação global, sem fins lucrativos, que atua para promover e desenvolver uma gestão sustentável e profissional do setor no mundo. No Brasil é representada pela Abrelpe – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais.
Estive lá participando da abertura dos trabalhos quando fui mencionado com destaque pelo presidente da Abrelpe, pelo secretário estadual do meio ambiente paulista e pelo secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, representante da ministra do meio ambiente. Todos registraram a função estratégica da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e seu impacto econômico, social e cultural.
Tive a honra e o privilégio de presidir o grupo de trabalho que elaborou a Lei 12.305 que instituiu a PNRS, depois de quase duas décadas de discussões no Congresso Nacional. Promulgada em agosto de 2010, a lei é moderna e vai de encontro a um problema antigo de afastamento e destinação do lixo, com origem no Brasil Colônia e séculos de falta de atenção, gradativamente agravado pelo processo de industrialização e desenvolvimento que desconsiderou a sustentabilidade, e pela concentração de 84% dos habitantes nas cidades.
Como titulares dos serviços de limpeza pública, os municípios brasileiros devem priorizar a gestão e o manejo dos resíduos, começando pela elaboração de seus planos de gestão, instrumentos destacados para enfrentar os problemas do presente e se antecipar às demandas do futuro. Conforme a lei, os municípios precisam banir os chamados lixões – áreas sem controle ambiental algum e a céu aberto.
Ressalto que a disposição de resíduos sólidos em lixões é crime desde 1998, quando foi sancionada a lei de crimes ambientais (Lei nº 9.605/98). E, conforme o seu regulamento, quem causar poluição que possa resultar em danos à saúde humana ou ao meio ambiente, incluindo a disposição inadequada de resíduos sólidos, pode receber multa de R$ 5 mil a R$ 50 milhões. Mas não será com punições que resolveremos nossos problemas. Por isso é que o apoio e o incentivo governamental aos municípios que não conseguiram elaborar o plano de resíduos e implantar os chamados aterros sanitários são fundamentais para a mudança de paradigma da gestão no setor de tratamento de rejeitos.
Como coordenador do Grupo de Trabalho de Resíduos da Frente Parlamentar Ambientalista defendi a adoção de políticas públicas claras e bem definidas para que os municípios recebessem apoio federal e estadual na implantação da coleta seletiva de lixo e a destinação de emendas parlamentares ao Orçamento da União para esse propósito. É que sem recursos públicos as prefeituras não terão como cumprir a lei, pois a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima que o fim dos lixões deva custar cerca de R$ 70 bilhões.
Sem a estruturação de uma política de desoneração tributária para a coleta seletiva e catadores de recicláveis, a PNRS não cumprirá seus objetivos. É preciso incentivar um círculo virtuoso entre as empresas que recuperam resíduos sólidos para a reciclagem com a redução de impostos, como de IPI, PIS/Pasep e Cofins, por exemplo, e fortalecer o papel das cooperativas de catadores de materiais recicláveis. O setor público precisa se comprometer mais com projetos de fomento de reciclagem já que às empresas brasileiras não faltam tecnologia e mão de obra especializadas para esses processos.
Sem essas medidas os avanços consolidados com a coleta seletiva correm o risco de retroagir. Em 2010, de 15 a 20% dos municípios tinham algum tipo de plano de coleta. Hoje, são 50%. O Brasil desperdiça R$ 8 bilhões por ano ao não manejar adequadamente seus resíduos sólidos urbanos. Toneladas de embalagens e outros materiais remetidos ao “lixo” têm valor econômico destacado e podem ser a base do surgimento de novos e prósperos negócios.
Outro ponto crucial é acelerar os acordos setoriais para a implantação da logística reversa, a responsabilidade a ser compartilhada entre o poder público, as empresas e os cidadãos pelo ciclo de vida dos produtos introduzida pela PNRS, que implica em importantes repercussões sociais na área de saúde pública e na economia.
Poucos imaginavam que após quatro anos e meio da promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos ocorreria uma revolução tão profunda no paradigma da gestão do lixo urbano. Essa mudança cultural no tratamento dispensado aos resíduos sólidos tem de ser consolidada com implementação e implantação definitivas da PNRS. Esse precisa ser o compromisso dos agentes públicos e de toda sociedade brasileira.
Arnaldo Jardim é deputado federal licenciado (PPS-SP) e secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo
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