Deputado Arnaldo Jardim

Desafios da Regulação da Indústria do Gás no Brasil e na Bolívia - 2007

Arnaldo Jardim

Entre 2001 e 2006, a demanda de gás natural no Brasil cresceu 12% a.a. e passou de 28 para 49 milhões m3/d. O gás natural já é o terceiro energético mais utilizado na indústria brasileira, sendo superado apenas pela eletricidade e o bagaço de cana. Temos, também, a segunda maior frota mundial de veículos automotores convertidos ao gás natural veicular (GNV) com mais de um milhão de veículos, atrás somente da Argentina. Além disso, o país possui um parque de usinas de geração térmica a gás que chega próximo de 10 GW ou cerca de 10% da capacidade de geração instalada.

O aumento da importância do gás natural para a economia brasileira foi, no entanto, acompanhado por uma dependência cada vez maior de importações. Entre 2001 e 2006, a dependência externa da oferta de gás subiu de 45% para 53%, sendo a maior parcela (95%) composta de importações de gás boliviano. Entre 2001 e 2006, a oferta doméstica de gás cresceu 9% a.a., enquanto as importações de gás boliviano aumentaram 19% a.a.. Atualmente, 50% da oferta no Brasil consiste de gás importado da Bolívia. A instabilidade institucional na Bolívia, que culminou na nacionalização da indústria, paralisou os investimentos, colocando em cheque a expansão da oferta no país andino e o crescimento da indústria no Brasil.

Para atender todos os compromissos contratuais com o Brasil e a Argentina, estima-se que a oferta de gás da Bolívia terá quase que dobrar até 2010 em relação ao patamar verificado em 2006. Para tamanha expansão, novos campos terão que ser desenvolvidos e explorados a um custo que segundo estimativas da indústria, supera a casa de US$ 250 milhões por ano até 2010. Isto sem considerar o investimento de US$ 1 bilhão, requerido para construção do gasoduto do Nordeste Argentino (GNEA) que possibilitará o escoamento de mais 20 milhões de m3/d de gás boliviano para a Argentina.

Atrair esse significativo volume de investimento no tempo necessário para atender ao aumento da demanda externa e doméstica é o maior desafio da regulação na Bolívia. Para reconquistar a confiança dos investidores, o governo do Presidente Evo Morales deverá honrar os contratos de E&P assinados com as empresas e aprovados no Congresso boliviano, colocar limites ao poder discricionário da estatal YPFB no seu relacionamento com as empresas operadoras e permitir retornos compatíveis com os riscos incorridos pelos investidores. Isto não será tarefa fácil; exigirá do Presidente Morales muita habilidade política para compatibilizar as demandas dos movimentos sociais, que o elegeram, e a manutenção de ambiente de negócio propício à atuação das empresas estrangeiras.

De sua parte, o Brasil deve estar preparado tanto para remediar situações emergenciais, interrupções em função de bloqueios e ocupações de grupos de protesto por exemplo, como também para reduzir a dependência estrutural do mercado brasileiro em relação às importações de gás boliviano.

Primeiramente, é urgente conceber um plano nacional de contingência que entre em execução em caso de insuficiência de suprimento de gás boliviano para o Brasil. Se de um lado, esse plano deve conter regras para o racionamento das quantidades ofertadas aos diversos estados consumidores, por outro não deve interferir no direito constitucional de cada estado regulamentar o serviço de gás canalizado junto aos consumidores finais.  Recentemente, este direito dos Estados foi reafirmado por meio de decisão da Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia Antunes Rocha, que se posicionou a favor do Estado de São Paulo na Reclamação por este formulada em face da União, ANP, Petrobras, White Martins e TBG referente ao projeto GEMINI, ressaltando que são os estados que devem regular a distribuição de gás canalizado, e não a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O projeto GEMINI visa liquefazer gás natural para transportá-lo na forma de GNL (gás natural liquefeito) em carretas até o consumidor final, sendo que o gás oriundo da Bolívia é suprido à planta diretamente pela Petrobras, não envolvendo originalmente a participação da concessionária de distribuição, no caso a COMGÁS, na cadeia , como prevêem a Constituição Federal e a Constituição e demais normas do Estado de São Paulo.

Voltando ao Plano Nacional de contingência , é igualmente importante dar clareza aos tipos de contingências que serão remediadas pelos instrumentos propostos e como em cada caso serão divididos os custos incorridos pela interrupção do suprimento. Neste sentido, este plano de contingência não deve ser utilizado pelo governo para destinar gás prioritariamente para o suprimento de usinas termelétricas, resolvendo um problema de escassez oriundo do mercado de eletricidade, em detrimento das concessionárias estaduais e de outros segmentos de consumo.

É imperioso, também, confrontarmos esta situação de dependência externa com mudanças da regulamentação que criem incentivos à maior produção doméstica e mais investimentos nas redes de transporte no país. É com este objetivo que devemos caminhar para a aprovação na Câmara dos Deputados de um projeto de lei específico para o gás natural. De forma a representar um avanço para regulação da indústria brasileira, este projeto deve criar condições para atração de um fluxo crescente de investimentos privados, fazendo com o setor fique menos dependente da atuação da Petrobras e amplie o universo de empresas operando no país. O exemplo das concessionárias de gás canalizado no Estado de São Paulo, cuja rede de gasodutos de distribuição cresceu 160% entre 2001 e 2006 e já chega a mais de 6 mil km, mostra que é possível sim atrair elevados investimentos privados para a logística do gás natural. Para que isto aconteça, é essencial estabelecermos no Congresso Nacional um marco legal crível, transparente e previsível: o desafio está lançado.

 

Deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) – Membro da Comissão de Minas e Energia e da Comissão Especial da Lei do Gás da Câmara Federal.

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