Arnaldo Jardim
Neste artigo analiso aquilo que para alguns pode parecer um detalhe técnico ou um aspecto isolado da política energética brasileira. Trata-se, porém, de um dos pilares do modelo do sistema energético, que é o fornecimento de energia elétrica no país. Proponho uma profunda revisão no modelo de leilões de energia que está em vigor.
Isso é necessário porque a atual metodologia da Aneel desconsidera as vantagens especificas de cada fonte, sua localização e a distribuição da carga ao longo do território nacional, o que tem criado distorções que podem fragilizar a nossa matriz energética.
A regra adotada nos leilões apesar de propiciar a modicidade tarifária, o menor custo que deve ser sempre perseguido, não captura as vantagens comparativas da geração regional e reduz a possibilidade de contratação de outras fontes disponíveis para a geração de energia que, muitas vezes, estão próximas dos centros de carga.
O critério do menor preço, independentemente do local da geração da energia, acaba fazendo com que se flutuem diferentes participações de fontes nos leilões sem um cenário de participação relativa mais estável e definida. Desconsidera ainda o custo da transmissão e as perdas entre o ponto de geração até os centros da carga. Muito embora o consumidor sempre pague por este transporte de energia, fica a falsa impressão de que estão sendo obtidos os melhores preços para ele.
Ao se fazer, por exemplo, leilão para contratar energia eólica produzida no Nordeste – uma das regiões com o maior regime de ventos do país e concentração de grande número de projetos eólicos– acaba-se deixando de considerar custos invisíveis na ocasião do leilão. Mas esses custos impactam no preço final da eletricidade para o consumidor dada a sua localização em relação aos centros de carga que podem absorver a energia gerada, já que a região está atendida e é exportadora de energia e custos.
Apesar de fonte a ser considerada, os empreendimentos eólicos no Brasil, “menina dos olhos” do governo federal, têm apresentado preços de geração surpreendentes nos últimos leilões. Porém, enfrentam produção abaixo do esperado conforme Relatório do ONS compreendendo um período de 12 meses encerrados em março deste ano. Dos 20 parques eólicos que se conectam diretamente ao SIN, 14 estão com índice de eficiência inferior ao declarado inicialmente. Dos 339 MW médios de energia que esses parques eólicos deveriam gerar, apenas 294 MW foram produzidos nos últimos 12 meses, o que representa uma diferença de 45 MW.
As eólicas gozam, ainda, de vantagens fiscais momentâneas que não estão disponíveis para outras fontes, como por exemplo as PCH’s. Também não pagam pela transmissão – inclusive os investimentos nas ICGS que coletam sua produção –, mas como já dito, todos estes custos são pagos pelos consumidores. Assim, se somarmos ao preço ofertado no leilão os outros custos não pagos pela fonte e sim pelo consumidor, vamos ver que sua competitividade é irreal.
É importante destacar também que a conexão ao sistema interligado de energia é o principal gargalo dos novos projetos eólicos. Apesar de esse fato não ser de responsabilidade dos investidores em eólicas, as usinas contratadas a partir de 2009 e que devem entrar em operação no próximo mês encontram-se com as estações coletoras – ligação dos parques a rede elétrica do país – com atraso de três a 18 meses.
O Brasil é um dos principais produtores de cana-de-açúcar do mundo, sendo o setor sucroalcooleiro reconhecido como um dos mais eficientes e localizado no entorno do maior centro de carga do país. O bagaço é o principal produto gerado pela biomassa residual oriunda da cana-de-açúcar, devido seu potencial energético.
O produto é utilizado para a geração de energia térmica e elétrica e para a produção de açúcar e etanol. Dessa forma, a partir da biomassa pode-se gerar energia elétrica e produzir biocombustíveis, como o biodiesel e o etanol. Isto não está sendo considerado e essa fonte tem sido alijada dos leilões, porque os outros custos que lhes são imputados tira a sua competitividade nos critérios dos atuais leilões.
A maior parte do potencial de biomassa a desenvolver se concentra na região Sudeste, Centro-oeste e Nordeste. No entanto, nos próximos quatro anos, a fonte terá um acréscimo de capacidade instalada desprezível, de minguados 300 MW.
O próprio ONS vem defendendo a adoção de leilões regionais diante da preocupação com a operação e a segurança do fornecimento de energia. A medida se justificaria pela crescente perda da capacidade de armazenamento dos reservatórios das hidrelétricas para geração de energia, que necessitaria ser suprida pela complementação de usinas térmicas movidas por outras fontes de energia (gás, carvão, combustíveis fósseis).
Para equilibrar e corrigir estas distorções, acredito que o melhor caminho é a organização de leilões regionalizados por fonte de energia. Essa modalidade poderá estimular a contratação das potencialidades de cada estado produtor de energia, reduzir os investimentos em transmissão e aumentar a segurança de abastecimento, aproximando a geração dos centros de carga.
Para isso, é necessário que a Aneel, dentro do planejamento estratégico que o setor requer, em ação com a EPE (Empresa de Planejamento Estratégico) e o Ministério de Minas e Energia redefinam o mais breve possível uma nova sistemática de leilões.
A mudança de postura da Aneel pode garantir a descentralização e a participação de diferentes fontes nos leilões de geração de energia, que estariam mais próximas do centro de carga e de consumo. Esse novo modelo de leilões daria maior segurança e previsibilidade a oferta de energia no país.
Espero que esta reflexão ajude a aperfeiçoar o atual modelo a fim de garantirmos o fornecimento amplo, seguro e de baixo custo de energia para o país
Deputado Arnaldo Jardim – membro da Comissão de Minas e Energia e presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Infraestrutura Nacional.
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