Arnaldo Jardim
Dia 02 de agosto de 2010. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) se torna lei e, após 19 anos, o Brasil dispõe de um marco regulatório específico para dar o tratamento e a destinação adequados para o lixo. Mais do que isso, um estímulo a ecoeficiência e a inovação, a educação ambiental, por meio de uma legislação inovadora, capaz de transformar resíduos em alternativa de geração de renda, empregos e oportunidades de negócios. Uma demonstração clara de que é possível fazer política com espírito público e participação efetiva da sociedade, além de reforçar o compromisso do Brasil com a preservação do Planeta.
Vivemos em uma sociedade impulsionada pelo consumo, em que nos empenhamos em comprar, sem nos preocuparmos com o descarte e o tratamento adequados das toneladas de resíduos gerados. Entenda-se por rejeitos, todo o lixo doméstico, efluentes industriais, rejeitos perigosos, entulhos da construção civil e materiais hospitalares usados, etc.
O reflexo da ausência da PNRS, todos nós conhecemos, são: lixões a céu aberto, efluentes industriais que contaminam nossos rios e lençóis freáticos, as enchentes causadas pelo acúmulo de entulho nas galerias de esgoto, os surtos de dengue por conta o descarte inadequado de pneus usados, o descuido dos consumidores…
Fui presidente do Grupo de Trabalho (GTRESID) responsável pela proposta que, a partir de agora é lei, que, nos últimos 20 meses, realizou audiências públicas, seminários, visitas técnicas, reuniões setoriais, promovendo um amplo debate com movimentos sociais, setor empresarial, entidades ambientalistas, representantes do Governo e do Legislativo.
Não foi uma tarefa fácil. O Congresso Nacional tinha uma imensa dívida com a sociedade e a missão de compatibilizar interesses, legislações esparsas, resistências de ordens distintas e as recentes exigências socioambientais. Por fim, chegamos a uma proposta de consenso, que reúne conceitos modernos de gestão de resíduos sólidos, entre elas (Clique e confira à íntegra):
– A gestão compartilhada e integrada de resíduos sólidos;
– Clareza nas definições de responsabilidades;
– A implantação de princípios do Direito Ambiental;
– Estrutura os planos de gestão para o poder público em todas as esferas e de plano de gerenciamento para as atividades empresariais;
– A logística reversa como instrumento de gestão;
– O inovador conceito jurídico de responsabilidade compartilhada que fortalece por meio dos acordos setoriais –firmados entre o poder público e empresariado – os caminhos para a destinação ambientalmente adequada;
– A proposta de criação de instrumentos econômicos e tributários para garantir o fomento e viabilidade de ações estruturantes para um potencial mercado de resíduos;
– O reconhecimento da importância aliada à plena garantia da inserção de cooperativas de catadores;
–A previsão e atenção quanto aos resíduos perigosos, bem como as determinações quanto à proibição expressa de destinações inadequadas – que resulta diretamente no surgimento de lixões e áreas contaminadas – e de importação de resíduos.
Para evitar abusos, elaboramos um marco regulatório que oferecerá as principais diretrizes sobre o tema, estimulando a disseminação de conceitos e princípios que sirvam de referência para legislações estaduais e municipais sobre resíduos sólidos.
Aos municípios, cabe elaborar um Plano de Gestão Integrada de Resíduos, que consiste na criação de um plano de varrição, de coleta seletiva, diagnóstico de produção de resíduos e outros serviços de limpeza pública, que será condição obrigatória para que recebam verbas da União para investimentos no setor.
Também está prevista a elaboração de inventários e a previsão do Sistema Declaratório Anual dos resíduos gerados para elaborarmos um diagnóstico e embasar políticas públicas adequadas à realidade de cada cidade, região ou Estado. Hoje, não existe um levantamento oficial da quantidade de lixo gerado, nem informações sobre o seu transporte e a destinação final.
O princípio do Poluidor-Pagador estabelece ao poluidor a responsabilidade pelos custos de combate à poluição, para manter o meio ambiente em estado aceitável, bem como sua melhoria. A partir deste conceito, surge a necessidade de implantarmos a Análise do Ciclo de Vida do Produto, que consiste em uma série de etapas que envolvem a produção, desde a obtenção de matérias-primas e insumos, processo produtivo, até o seu consumo e disposição final.
Já a Logística Reversa é um instrumento econômico e social, caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios, destinados a facilitar a coleta e a restituição dos resíduos por seus geradores para que sejam tratados ou reaproveitados.
Neste aspecto, vale ressaltar o papel preponderante das cooperativas de catadores, pois a PNRS também cumpre um papel social ao inserir na formalidade cerca de 800 mil pessoas que sobrevivem da catação, com uma renda média de 1 a 1,5 salário mínimo.
Em nível internacional, existe uma grande expectativa dos países da America Latina, sobretudo, para que o Brasil consolide as suas diretrizes para o tema, pois os modelos de políticas de países desenvolvidos (como Alemanha, Japão entre outros) não servem de referencial prático para a sua implantação em nações com peculiaridades socioeconômicas distintas, que almejam buscar o desenvolvimento pautado no tripé ambiental, social e econômico.
Além da experiência enriquecedora, todo o processo de elaboração e aprovação da PNRS foi de extrema importância para a conscientização da preservação do meio ambiente. Essa legislação deve somar-se a outras políticas nacionais como a de Saneamento, de Mudanças Climáticas, de Meio Ambiente e de Educação Ambiental.
Particularmente, tenho comigo o sentimento de dever cumprido, pois quando eleito deputado federal, em 2006, assumi o compromisso de elaborar, articular e cobrar a aprovação da PNRS, após a bem sucedida experiência com a lei estadual 12.300/2006, em que fui o autor e conseguimos disciplinar a gestão dos resíduos sólidos no Estado de São Paulo.
Nestas parcas linhas será difícil mencionar a todos que contribuíram para que este desafio fosse superado, mais a certeza de que este trabalho poderá desencadear profundas transformações nos modos de produção, consumo e da própria relação entre o ser humano e o meio ambiente, é a herança de sustentabilidade que deixaremos para as futuras gerações.
Deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) – presidente do Grupo de Trabalho responsável pela proposta de Política Nacional de Resíduos Sólidos.
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