Arnaldo Jardim
Após 19 longos anos de espera, foi aprovada a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), uma conquista histórica comemorada por cooperativas de produtos recicláveis, empresários, representantes de ONGs ambientais, entidades setoriais de reciclagem, representantes do governo e parlamentares. Uma demonstração clara de que é possível fazer política com espírito público e participação efetiva da sociedade.
Há décadas, países desenvolvidos implantaram políticas que melhoraram a qualidade de vida, a saúde pública, além de ajudar na preservação dos recursos naturais. Agora, o Brasil pode caminhar na direção das experiências internacionais bem sucedidas, a partir de uma diretriz ambiental e socioeconômica para que o lixo se transforme em alternativa de geração de renda, empregos, oportunidades de negócios e de sustentabilidade.
Afinal, vivemos em uma sociedade impulsionada pelo consumo, em que nos empenhamos em comprar, sem nos preocuparmos com o descarte e o tratamento adequados do lixo gerado todos os dias. Entenda-se por resíduos, entre outros, todo o lixo doméstico, efluentes industriais, rejeitos perigosos, entulhos da construção civil e materiais hospitalares usados.
O reflexo da ausência, até então, de uma lei nacional sobre o tema todos nós conhecemos, são lixões a céu aberto, efluentes industriais que contaminam nossos rios e lençóis freáticos, as enchentes causadas pelo acúmulo de entulho nas galerias de esgoto, os surtos de dengue por conta o descarte inadequado de pneus usados, etc.
Fui presidente do Grupo de Trabalho (GTRESID) destinado a examinar o parecer proferido pela Comissão Especial ao Projeto de Lei nº 203, de 1991, que dispõe sobre o acondicionamento, a coleta, o tratamento, o transporte e a destinação final dos resíduos de serviços de saúde. Nos últimos 20 meses, o GTRESID realizou várias atividades, entre audiências públicas, visitas técnicas, reuniões setoriais e promoveu um diálogo intenso e permanente com a sociedade.
Debatemos o relatório na Frente Parlamentar Ambientalista, dialogamos com outros deputados, discutimos em congressos e seminários, alcançamos um consenso que reuniu os movimentos sociais, setor empresarial e as entidades ambientalistas, em meio a um diálogo permanente com o Executivo
A proposta reúne conceitos modernos de gestão de resíduos sólidos, entre elas:
– A gestão compartilhada e integrada de resíduos sólidos;
– Clareza nas definições;
– A implantação de princípios do direito ambiental;
– Estrutura os planos de gestão para o poder público em todas as esferas e de plano de gerenciamento para as atividades empresariais;
– A logística reversa como instrumento de gestão;
– O inovador conceito jurídico de responsabilidade compartilhada que fortalece por meio dos acordos setoriais –firmados entre o poder público e empresariado – os caminhos para a destinação ambientalmente adequada;
– A proposta de criação de instrumentos econômicos e tributários para garantir o fomento e viabilidade de ações estruturantes para um potencial mercado de resíduos;
– O reconhecimento da importância aliada à plena garantia da inserção de cooperativas de catadores;
–A previsão e atenção quanto aos resíduos perigosos, bem como as determinações quanto à proibição expressa de destinações inadequadas – que resulta diretamente no surgimento de lixões e áreas contaminadas – e de importação de resíduos.
Para evitar abusos, elaboramos um marco regulatório que oferecerá as principais diretrizes sobre o tema, estimulando a disseminação de conceitos e princípios que sirvam de referência para legislações estaduais e municipais sobre resíduos sólidos. Sua aprovação representa um grande passo para tornar o problema do lixo em oportunidade, seja de novos negócios, produtos e até empregos.
Aos municípios, cabe elaborar um Plano de Gestão Integrada de Resíduos, que consiste na criação de um plano de varrição, de coleta seletiva, diagnóstico de produção de resíduos e outros serviços de limpeza pública, que será condição obrigatória para que recebam verbas da União para investimentos no setor.
Também está prevista a elaboração de inventários e a previsão do Sistema Declaratório Anual dos resíduos gerados para elaborarmos um diagnóstico e embasar políticas públicas adequadas à realidade de cada cidade, região ou Estado. Hoje, não existe um levantamento oficial da quantidade de lixo gerado, nem informações sobre o seu transporte e a destinação final.
O princípio do Poluidor-Pagador estabelece ao poluidor a responsabilidade pelos custos de combate à poluição, para manter o meio ambiente em estado aceitável, bem como sua melhoria. A partir deste conceito, surge a necessidade de implantarmos a Análise do Ciclo de Vida do Produto, que consiste em uma série de etapas que envolvem a produção, desde a obtenção de matérias-primas e insumos, processo produtivo, até o seu consumo e disposição final.
Já a Logística Reversa é um instrumento econômico e social, caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios, destinados a facilitar a coleta e a restituição dos resíduos por seus geradores para que sejam tratados ou reaproveitados.
Neste aspecto, vale ressaltar o papel preponderante das cooperativas de catadores, poisa PNRS também cumpre um papel social ao inserir na formalidade cerca de 800 mil pessoas que sobrevivem da catação, com uma renda média de 1 a 1,5 salário mínimo.
Particularmente, tenho comigo o sentimento de dever cumprido, pois quando eleito deputado federal, em 2006, assumi o compromisso de elaborar, articular e cobrar a aprovação da PNRS, após a bem sucedida experiência com a lei estadual 12.300/2006, em que fui o autor e conseguimos disciplinar a gestão dos resíduos sólidos no Estado de São Paulo.
Reconheço que não foi uma tarefa fácil. Afinal, o Congresso Nacional tinha uma imensa dívida com a sociedade e a missão de compatibilizar interesses, legislações esparsas, resistências de ordens distintas e as recentes exigências socioambientais.
Além da experiência enriquecedora, todo o processo de elaboração e aprovação da PNRS foi de extrema importância para a conscientização da preservação do meio ambiente e um sinal claro de que o Brasil está fazendo a sua parte para melhorar a vida no planeta. Essa legislação deve somar-se a outras políticas nacionais como a de Saneamento, de Mudanças Climáticas, de Meio Ambiente e de Educação Ambiental.
Em nível internacional, existe uma grande expectativa dos países da America Latina, sobretudo, para que o Brasil consolide as suas diretrizes para o tema, pois os modelos de políticas de países desenvolvidos (como Alemanha, Japão entre outros) não servem de referencial prático para a sua implantação em nações com peculiaridades socioeconômicas distintas, que almejam buscar o desenvolvimento pautado no tripé ambiental, social e econômico.
Nestas parcas linhas será difícil mencionar a todos que contribuíram para que este desafio fosse superado, mais a certeza de que este trabalho poderá desencadear profundas transformações nos modos de produção, consumo e da própria relação entre o ser humano e o meio ambiente, é a herança de sustentabilidade que deixaremos para as futuras gerações.
Deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) – presidente do Grupo de Trabalho responsável pela proposta de Política Nacional de Resíduos Sólidos.
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