Deputado Arnaldo Jardim

O poder do verdadeiro municipalismo - 2006

Arnaldo Jardim

A existência da Câmara Municipal como órgão da administração pública e de representação política, data desde os tempos coloniais, ou seja, muito antes das Assembléias estaduais e do próprio Congresso Nacional. Herdada dos colonizadores portugueses, a instalação de Câmaras locais era fator obrigatório para a formação e o reconhecimento do município, mas este estímulo não buscava a autonomia, mas a subordinação do município à centralização monárquica. 

Passados alguns séculos, a medida que a sociedade se transformava o papel dos municípios também acompanhou essas mudanças, ganhou em importância e representatividade, consolidou-se, assim, como uma ferramenta imprescindível para o desenvolvimento social e econômico local.

Um movimento que só arrefeceu durante a vigência do período ditatorial, em que a concentração de esforços na luta contra a mão de ferro asfixiou o espaço político nos municípios. O quadro agora se inverte: cada vez mais se reclama a consolidação do princípio federativo, cuja principal base de sustentação repousa em sua menor unidade, o município.

Minha experiência com o municipalismo começou na Secretaria do Interior, com Chopin Tavares de Lima, durante o governo do saudoso Franco Montoro. Era o início da minha vida pública, na qual tive a oportunidade de participar do estabelecimento das regiões de governo, que tinham como objetivo aproximar o Executivo da população local, por meio do incentivo a descentralização e da participação dos municípios nas decisões do Governo Estadual.

Foi uma semente que germinou e começou a gerar frutos significativos, principalmente com o processo de redemocratização do País, mas também trouxe consigo grandes desafios. O estímulo ao desenvolvimento e ao crescimento econômico, o combate ao desemprego e à exclusão social, o resgate das instituições públicas e a reorganização da administração municipal, dentre outros, exigem um esforço sistemático, do município, do Estado e da União.

Para tentar equacionar esses desafios, foram estabelecidos importantes fóruns de debates em nosso Estado, onde destaco os congressos promovidos pela Associação Paulista dos Municípios (APM) e pela União dos Vereadores do Estado de São Paulo (UVESP), dos quais tenho sempre participado.

Hoje, após quatro mandatos como deputado estadual e uma passagem como secretário de Habitação, tenho uma certeza – precisamos promover uma profunda Reforma do Estado, que passa necessariamente pelo fortalecimento do Poder Municipal.

Para tanto, é necessário romper com modelos arcaicos de organização da administração pública, promover a integração das políticas; estruturá-Ias no presente pensando estrategicamente o futuro; descentralizar ações e, sobretudo, incorporar a participação popular nas instâncias de decisão, controle, gestão e aporte de recursos humanos, materiais e de conhecimento, necessários à construção e fortalecimento da cidadania.

Para alcançar esses objetivos, o poder público municipal deve ter um caráter de articulador entre as demandas e a oferta pública de serviços, ao invés de se colocar como o único responsável pela oferta dos mesmos. Ele deve auxiliar os cidadãos a terem acesso aos recursos humanos, materiais e de conhecimento que atenderão às suas necessidades e estes, por sua vez, têm que reconhecer suas obrigações para com a comunidade.

São inúmeros os canais que podem ser usados para o exercício do Poder Local: prefeitura, câmara de vereadores, associações profissionais e civis, clubes de serviço, e os mais diversos tipos de conselhos existentes atualmente, destinados a acompanhar praticamente todas as áreas de atividade pública. Esses conselhos têm, ou podem ter, um papel fundamental no resultado da atividade pública, ao trazer para as comunidades o poder de definir os rumos da ação municipal, exercendo o papel de cooperação  para planejar, executar, acompanhar e avaliar programas, projetos e ações de interesse coletivo.

Este papel é completamente incompatível com a arquitetura tradicional de governo, pois este passa a interagir com os diversos agentes do terceiro setor. Suas atividades passam a ser pautadas por metas e indicadores e periodicamente avaliadas pelos seus parceiros, que também se investem da condição de gestores sociais, num pacto de co-responsabilidade junto aos gestores.

Essa nova estrutura deve se organizar em rede, compartilhando informações, ser flexível e privilegiar as relações horizontais. O contrato de cidadania é, portanto, um compromisso de gestão entre o governo e a sociedade, com metas estabelecidas, responsabilidades compartilhadas e a garantia dada pelo governo de que a sua parte será cumprida para que elas sejam todas realizadas. Em suma, fazer mais e melhor, atender o maior número de pessoas e acompanhar a evolução da sociedade, pois um governo, além de realizador, precisa dar exemplo, ter postura.

Os municípios, apesar das muitas responsabilidades sobre o desenvolvimento das políticas básicas, devem exercê-las por meio de regime político e administrativo em colaboração com o Estado e a União. A dificuldade gerada pela não observância deste princípio constitucional prejudica a população, impede o acesso a outros recursos concentrados na União, dificulta a prática do controle social e desconsidera a importância do exercício da cidadania, afastando cada vez mais a população dos benefícios gerados pela garantia dos serviços oferecidos através das políticas públicas.

Acredito que uma das alternativas para solucionar problemas nacionais como concentração de renda e o desemprego esteja na ação do município na busca da estruturação de políticas para a inclusão social. Embora, muitos municípios tenham avançado em relação à sua responsabilidade na implementação das políticas de educação e de atenção básica à saúde, a maioria padece por falta de compreensão e definição de recursos com relação à política de assistência. Muitos, por exemplo, não têm nenhum respaldo político e financeiro para exercerem as suas funções no que se refere à habitação e ao saneamento básico, imprescindível para a melhoria da qualidade de vida e garantia dos direitos universais da população.

A partir do princípio de que os indivíduos são os melhores juízes de seus interesses e necessidades, a prestação de serviços públicos no município será tão mais eficiente quanto maior for a autonomia do Poder Local. Os usuários e gestores locais sabem melhor do que qualquer burocrata do poder central de quantas e de que escolas precisam, sobre quanto deve ser gasto em sua construção e manutenção, já que têm todo o interesse em fiscalizar o bom emprego de seus impostos,  fazendo isso com eficiência maior que a de qualquer fiscal externo.

O município se constitui na primeira instância de poder a ser confrontado com essas necessidades. Questões como melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), evidenciado pelo acesso a uma educação pública e o atendimento médico de qualidade, a incorporação da inclusão digital e o acesso a informação devem ser premissas de um município interessado em formar cidadãos que estejam preparados para o que chamamos de “Era do Conhecimento”. É no limite de cada município, distrito e localidade, que as pessoas crescem, se relacionam, criam suas famílias; é nele que ficam suas casas, as escolas em que seus filhos estudam, as igrejas, a sede dos partidos, dos clubes esportivos, da associação comunitária. É no município onde a idéia e a prática da cidadania se dá ou não de forma plena, e onde podem ser construídas novas alternativas e o perfil da sociedade democrática e justa com que tanto sonhamos.

 

Arnaldo Jardim

Deputado estadual (PPS-SP)

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