Deputado Arnaldo Jardim

Para uma Lei do Gás Natural - 2007

Arnaldo Jardim

A Comissão Especial da Câmara aprovou o Projeto de Lei 6673/2006 que institui a chamada “Lei do Gás”, no último dia 29 de agosto. Em meio ao risco de racionamento energético, trata-se de um marco fundamental para dispormos de uma lei federal específica para a indústria de gás natural. Também é um passo determinante para aumentarmos a competição no setor, reduzirmos as tarifas e diminuirmos a dependência externa, atraindo novos agentes e investimentos no setor para ampliar a produção nacional deste insumo estratégico para o crescimento do País.

A demanda brasileira por gás natural tem crescido 12% ao ano, entre 2001 e 2006, passando de 28 milhões de m³ por dia para 49 milhões m³ por dia, fazendo-o o terceiro energético mais utilizado na indústria, superado apenas pela eletricidade e o bagaço de cana. Temos a segunda maior frota mundial de veículos convertidos ao gás natural veicular (GNV), com mais de 1 milhão de veículos, atrás somente da Argentina. Além disso, o País possui um parque de usinas de geração térmica a gás que chega próximo de 10 GW, ou cerca de 10% da capacidade de geração instalada.

No entanto, o aumento da importância do gás natural foi acompanhado por uma maior dependência de importações, principalmente da Bolívia, que responde por 95% do gás importado. Entre 2001 e 2006, a dependência externa da oferta de gás subiu de 45% para 53%, enquanto, por ano, a oferta doméstica cresceu 9% e as importações aumentaram 19%. A instabilidade institucional na Bolívia, que culminou com a nacionalização da indústria, paralisou os investimentos, coloca em cheque a expansão da oferta no país andino e o crescimento da indústria no Brasil.

Os recentes aumentos no preço do gás natural, a conseqüente elevação nos custos de produção e a confecção de um plano de contingência e de pesquisas, como a do Instituto Acende Brasil, que apontam para um risco de racionamento de energia de 32%, em 2011, já estão freando novos investimentos da indústria nacional. A Vale do Rio Doce, por exemplo, acaba de anunciar que vai instalar uma fábrica para produção de alumínio na Colômbia, onde construirá uma usina hidroelétrica e vai transformar lá a aluminia extraída de suas minas no Pará.

Esta reflexão serve para ilustrar a necessidade imediata de um planejamento energético para o Brasil, calcado pela diversificação da sua matriz, tendo o gás natural como um dos protagonistas. Neste sentido, a “Lei do Gás” tem como objetivo destravar o crescimento da indústria do setor, que vivia sob o temor da estatização, do fervor monopolista da Petrobras e da ausência de regras claras que garantissem o retorno do capital investido.

O projeto proposto traz avanços no sentido de dar mais transparência à regulação, além de fixar competências claras, papéis determinados e funções específicas em toda a cadeia. Essas medidas dão mais segurança e criam incentivos à maior produção doméstica e mais investimentos nas redes de transporte no País.  

Em relação a versões anteriores do texto, foram introduzidas novas definições de gasodutos de transferência e de transporte, que previnem interferências no segmento de distribuição de gás canalizado, cuja regulamentação é responsabilidade dos Estados. Com o mesmo propósito, foi alterado o conceito de consumo próprio de gás natural, restrito agora ao volume de gás consumido na produção, coleta, transferência, estocagem e processamento.   Diferentemente do setor de energia elétrica, onde o governo federal exerce o poder concedente e autorizativo, na indústria de gás natural a distribuição do energético canalizado até o consumidor final é uma atividade regulada pelos Estados, conforme estabelecido pelo artigo 25 da Constituição Federal. Sendo assim, um dos maiores desafios da proposta de regulamentação federal é legislar sem invadir a competência estadual, o que pode gerar conflitos infindáveis e emperrar sua aprovação com prejuízos para todos os atores envolvidos. A definição clara dos limites da competência federal e estadual é crucial para a promoção dos novos investimentos na rede de distribuição, necessários para disseminação do consumo do gás no interior dos estados e nas diversas regiões metropolitanas.

O projeto de Lei propõe ainda um regime legal misto de autorização e concessão para os gasodutos de transporte. Desde o inicio das discussões defendi o fortalecimento do princípio de Concessão precedida de concorrência pública, o que assegurará maior disputa, estabilidade contratual e garantirá maior fluxo de investimentos e ampliação da oferta, trazendo tranquilidade ao consumidor. De qualquer forma ficou estabelecido que os gasodutos que envolvam acordos internacionais e interesse específico de um único usuário serão regidos por uma autorização, e os demais gasodutos de interesse geral serão motivos de concessão. O projeto concede aos gasodutos existentes (autorizados) e em processo de licenciamento ambiental, prazo de até 10 anos da data de operação das instalações para a utilização exclusiva dos carregadores iniciais. Durante este prazo, os transportadores não serão obrigados a permitir o acesso de terceiros aos gasodutos. Houve, no entanto, um cuidado maior no sentido de assegurar que os operadores de gasodutos autorizados, como no caso dos concessionários, obedeçam a requisitos para elevar a transparência do negócio. Esses operadores serão obrigados a prestar informações de natureza técnica, operacional, econômico-financeira e contábil, manter registros contábeis da atividade de transporte de gás separados do exercício da atividade de estocagem de gás e submeter à aprovação da ANP minuta de contrato padrão a ser celebrado com os usuários dos serviços de transporte. Essas medidas objetivam aumentar futuramente a competição na comercialização de gás e prevenir condutas anticompetitivas na prestação dos serviços de transporte.

O Ministério de Minas e Energia (MME) definirá o regime de concessão ou autorização para cada projeto de gasoduto de transporte, observado as citadas determinações legais, e proporá os gasodutos de transporte que deverão ser construídos ou ampliados. Os novos gasodutos em autorização e concessão terão prazos de uso exclusivo fixados pelo MME, ouvida a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. O projeto coloca em lei a obrigatoriedade dos transportadores de realizarem chamada pública, quando da construção ou ampliação dos seus gasodutos, com a finalidade de atrair interessados em utilizar os gasodutos e dimensionar eficientemente a demanda por capacidade de transporte. É previsto, também, a utilização de recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico –CIDE e da Conta de Desenvolvimento Energético – CDE com vistas a viabilizar projetos de interesse público, o que abre oportunidade para ampliação das redes para estados das Regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste ainda não atendidos pelo gás natural.

O projeto regulamenta também de forma consistente a atividade de estocagem de gás natural em reservatórios de hidrocarbonetos e em outras formações geológicas. A referida atividade será regida por uma concessão objeto de licitação. A infra-estrutura de armazenagem é empregada para aliviar a demanda por capacidade em momentos de pico, reduzir as flutuações na entrega e balancear o sistema de transporte. No Brasil, o sistema de gasodutos de transporte e distribuição de gás natural não conta com a presença de unidades de estocagem, o que dá menor flexibilidade e confiabilidade à oferta de gás natural no país.

Foram necessárias muitas rodadas de negociações para que o projeto pudesse acomodar de forma técnica e legalmente consistente os anseios do governo federal, dos governos estaduais, das empresas privadas e da Petrobras. Assim, acredito que se preservou o interesse dos consumidores, o interesse público. O texto proposto converge para um marco legal mais detalhado, abrangente e capaz de orientar com mais clareza o desenvolvimento da indústria no Brasil.

Estamos correndo contra o tempo, há necessidade de maior participação do gás natural em nossa matriz energética, há oportunidade econômica para que isto ocorra e não podemos ficar na dependência de fornecimento externo. Por tudo isso acredito que a Comissão Especial e a Câmara dos Deputados cumpriram seu dever. O Brasil tem pressa!

Continuarei acompanhando a tramitação no Senado e a edição desta importante norma legal.

 

Deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) – Membro da Comissão de Minas e Energia e da Comissão Especial da Lei do Gás da Câmara Federal.

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