Arnaldo Jardim
Vivemos em uma sociedade impulsionada pelo consumo, em que nos empenhamos em comprar, sem nos preocuparmos com o descarte e o tratamento adequados do lixo gerado todos os dias, fazendo com que milhões de toneladas contaminem o meio ambiente, comprometendo os recursos ambientais e a saúde pública.
No último dia 16 de junho, apresentei uma proposta de Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), um projeto de lei que busca ser a convergência entre mais de 140 iniciativas parlamentares, dos trabalhos de duas Comissões Especiais que trabalharam por anos, além de uma proposta oriunda do Executivo. Esta também foi construída ouvindo as entidades, organizando eventos e, principalmente, repercute a necessidade da sociedade escolher o caminho do desenvolvimento sustentável. Isto seria impossível sem uma legislação sobre o lixo!
Desde junho do ano passado, foram realizadas audiências públicas, reuniões e visitas técnicas, que sempre contaram com a presença e as contribuições imprescindíveis de representantes do Governo Federal, empresários, órgãos de defesa do meio ambiente, ONGs e acadêmicos. Essa movimentação resultou em propostas concretas contidas neste relatório final que estabelece, conceitualmente:
– A gestão compartilhada e integrada de resíduos sólidos;
– Clareza nas definições;
– A implantação de princípios do direito ambiental;
– Estrutura os planos de gestão para o poder público em todas as esferas e de plano de gerenciamento para as atividades empresariais;
– A logística reversa como instrumento de gestão;
– O inovador conceito jurídico de responsabilidade compartilhada que fortalece por meio dos acordos setoriais – firmados entre o poder público e empresariado – os caminhos para a destinação ambientalmente adequada;
– A proposta de criação de instrumentos econômicos e tributários para garantir o fomento e viabilidade de ações estruturantes para um potencial mercado de resíduos;
– O reconhecimento da importância aliada à plena garantia da inserção de cooperativas de catadores;
– A previsão e atenção quanto aos resíduos perigosos, bem como as determinações quanto à proibição expressa de destinações inadequadas – que resulta diretamente no surgimento de lixões e áreas contaminadas – e de importação de resíduos.
Este legado, esta interação entre os diferentes segmentos da sociedade é que me fazem ter a certeza de que, finalmente, vamos contar com uma PNRS. A sua ausência estimulou uma profusão de iniciativas municipais e estaduais sobre o tema. O que poderia ser um avanço, do ponto de vista ambiental, acabou se tornando um verdadeiro ‘faroeste’, pois algumas propostas são excessivamente permissivas, enquanto outras altamente proibitivas.
Em nível internacional, existe uma grande expectativa dos países da America Latina, sobretudo, para que o Brasil consolide as suas diretrizes para o tema, pois os modelos de políticas de países desenvolvidos (como Alemanha, Japão entre outros) não servem de referencial prático para a sua implantação em nações com peculiaridades socioeconômicas distintas, que almejam buscar o desenvolvimento pautado no tripé ambiental, social e econômico.
Para evitar abusos, elaboramos um marco regulatório que oferecerá as principais diretrizes sobre o tema, estimulando a disseminação de conceitos e princípios que sirvam de referência para legislações estaduais e municipais sobre resíduos sólidos. Sua aprovação representa um grande passo para tornar o problema do lixo em oportunidade, seja de novos negócios, produtos e até empregos.
Também está prevista a elaboração de inventários e a previsão do Sistema Declaratório Anual dos resíduos gerados para elaborarmos um diagnóstico e embasar políticas públicas adequadas à realidade de cada cidade, região ou Estado. Hoje, não existe um levantamento oficial da quantidade de lixo gerado, nem informações sobre o seu transporte e a destinação final. Por isso, os municípios também serão responsáveis por elaborar Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, que será condição obrigatória para que recebam verbas da União para investimentos no setor.
Neste aspecto, vale ressaltar o papel preponderante das cooperativas de catadores, pois a PNRS também cumpre um papel social ao inserir na formalidade cerca de 800 mil pessoas que sobrevivem da catação, com uma renda média de 1 a 1,5 salário mínimo. Na cidade de São Paulo, por exemplo, são geradas 12 mil toneladas de lixo/dia, mas apenas 5% são reciclados. As áreas de periferia, justamente, as que mais sofrem com enchentes, epidemias e lixões, em sua maioria, estão excluídas do programa. A expectativa é estimular parcerias formais entre a iniciativa privada e cooperativas para investir na reciclagem e na reutilização de materiais, o que por um lado economizaria insumos e matéria-prima, além de oferecer novas oportunidades de capacitação e aprendizado para os milhares de catadores.
O projeto caminha na eliminação dos lixões a céu aberto. Pesquisa junto às 31 subprefeituras da capital paulista, feita por um jornal diário, revelou que existem 1,3 mil pontos ilegais de despejo de entulho. Isso também levanta a importância de investirmos na educação ambiental, desde o ensino fundamental, para que possamos formar cidadãos cientes de seus direitos e deveres em relação ao meio ambiente em que vivem.
Um ponto que nos levará ainda há buscar consenso se refere, justamente, a construção de um modelo viável, a partir de instrumentos econômicos e tributários, que fomentem processos ecoeficientes e favoreça a inovação tecnológica, no sentido de distinguir, do ponto de vista tributário, os equipamentos destinados a esta finalidade e, assim, estimule boas práticas, novas oportunidades de negócios, ciclos ecoeficientes e a geração de empregos/renda.
A minha expectativa é que a Política Nacional de Resíduos Sólidos cumpra o seu papel e seja o grande referencial para os Estados e Municípios estabelecerem as suas políticas, no caminho de estimular uma maior consciência em relação ao papel de cada um na preservação ambiental. E, quem sabe até, ensejar uma mudança de comportamento, no sentido de reduzirmos a geração de lixo, aumentarmos a reciclagem e impulsionarmos a reutilização de produtos que antes pereciam por séculos, contaminando o nosso meio ambiente. Enfim, mudar um comportamento social ao eliminar o desperdício, afirmar a utilização racional de recursos naturais, afirmar uma sociedade sustentável!
Deputado Arnaldo Jardim – Coordenador do Grupo de Trabalho suprapartidário responsável pela proposta de Política Nacional de Resíduos Sólidos e membro da Frente Parlamentar Ambientalista.
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