Arnaldo Jardim
Regras claras possibilitam que o serviço a ser prestado, ou obra a ser realizada, tenham parâmetros precisos que meçam a quantidade e a qualidade dos serviços que serão oferecidos à população, estabelecendo referências para que o consumidor possa exigir o cumprimento do que foi acordado e pleitear o seu aperfeiçoamento, caso necessário. Enquanto as regras duradouras permitem ao empreendedor planejar suas atividades e ao investidor a segurança para agir.
Ambas podem ser asseguradas por agências de regulação estáveis e fortalecidas. Isto é o desdobramento de uma visão de Estado não provedor, mas disciplinador e orientador das atividades. No Brasil, a criação desses órgãos de regulação tem início com a onda de privatizações, na década de 90.
As agências reguladoras são órgãos de Estado, não de governo, com a responsabilidade de cuidar dos contratos de concessão, de tarifas e de normas de prestação de serviços públicos. Estes órgãos foram concebidos para transcenderem as influências político-partidárias mutáveis, zelando com independência e isonomia pela transparência, a qualidade e a expansão dos serviços públicos delegados à iniciativa privada, evitando abusos do poder econômico, garantindo os direitos do cidadão e estabelecendo os deveres das prestadoras de serviço.
Por aqui, passados três anos e meio de Governo Lula, este importante instrumento regulador está sendo deturpado, negligenciado e sucateado. O loteamento político de cargos, o contingenciamento sistemático de recursos, a ausência de um marco regulatório e a falta de quadros técnicos trouxeram uma instabilidade indesejável, capaz não apenas afastar, mas inibir novos investimentos em setores estratégicos para o País.
Só em 2005, as seis principais agências do setor de infra-estrutura foram contigenciadas em mais de R$ 4 bilhões dos R$ 5,4 bilhões previstos no orçamento, 84% do total, segundo estudo da Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib). Recursos estes que são provenientes de taxas e contribuições feitas por nós consumidores e empresas para manter o funcionamento das agências, mas que foram desviados para gerar o superávit primário.
Na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o orçamento aprovado no ano passado era de R$ 2,62 bilhões, contudo recebeu R$ 263 milhões, comprometendo, por exemplo, a fiscalização sobre adulteração e sonegação de impostos no mercado de combustíveis.
O mesmo aconteceu com a Anatel, responsável pelo setor de telecomunicações, que tinha um orçamento previsto de R$ 2,01 bilhões, mas recebeu R$ 204 milhões, o que prejudica a fiscalização dos serviços prestados à população. Reflexo disso nós já conhecemos, há anos as operadoras de telefonia fixa e móvel lideram a lista de reclamações do Procon.
O mesmo enredo foi adotado em relação à Aneel, do setor elétrico, inviabilizando a elaboração de estudos, serviços e de leilões de energia, fundamentais para afastarmos definitivamente o risco de um novo apagão. Na ANA, do setor de água, a história se repete, prejudicando assim o estabelecimento de políticas públicas de saneamento e preservação dos nossos recursos hídricos.
A falta de autonomia financeira afeta diretamente a independência decisória das agências e influencia, especialmente, a prestação de serviços. A falta de dinheiro restringe a área de atuação dos órgãos reguladores e compromete bastante a fiscalização de projetos e serviços oferecidos à população.
Outro fato gritante é que nenhuma agência está com a diretoria completa, em meio à demora na nomeação e na aprovação de diretores. Algumas delas, como a Antaq, que cuida do setor de transportes marítimos, não tem nenhum diretor desde fevereiro.
A escolha de destes diretores deve levar em conta exclusivamente a sua capacitação e idoniedade. Afinal, são requisitos fundamentais para quem toma decisões sobre temas de alta complexidade, que por vezes envolvem cifras da ordem de centenas de milhões de reais. O regulador não pode ceder aos interesses de nenhum governo, tampouco concordar com pleitos de consumidores que podem interromper investimentos para a continuidade de melhorias nos serviços, muito menos acatar decisões de concessionárias que lesem a população. Por isso, as decisões são tomadas de forma colegiada, em reuniões públicas, transmitidas ao vivo pela Internet, e são finais na esfera administrativa.
Como se não bastasse, a aprovação do Projeto de Lei nº 3.337/04 que redefine as responsabilidades e funções das agências reguladoras patina, há 26 meses, no Congresso Nacional, sem que haja consenso nem perspectiva em torno da votação. O marco regulatório para serviços públicos e investimentos em infra-estrutura, com segurança de autonomia dos órgãos reguladores, é simultaneamente garantia para o consumidor e condição indispensável para atrair investidores.
Essa somatória de fatores tem criado um arcabouço regulatório, um retrocesso que está promovendo a fuga de novos investimentos para outras economias emergentes e minando as possibilidades de um crescimento econômico sustentável e duradouro no Brasil. Ao invés de asfixiar as agências de regulação, o governo deveria se debruçar na elaboração de políticas setorias e de diretrizes para um Plano Nacional de Desenvolvimento. Do jeito que está, estamos dando um tiro no pé, semeando a instabilidade e selando o destino do País.
Deputado Arnaldo Jardim
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